domingo, 11 de novembro de 2012

Encerra a feira, ficam os livros

São 58 edições do maior evento literário a céu aberto (isso quer dizer, de rua, popular, democrático?) da América do Sul. Logo ali, na Praça da Alfândega, centro histórico da capital gaúcha. Um evento singular porque consegue ser despretensioso.

Este ano foram cinco livros. Vou falar do primeiro lido, a autobiografia literária de Cristóvão Tezza, O espírito da prosa (Record, 2012). Baita livro. Comprei por recomendação do professor, que prefiro manter como escritor, Charles Kiefer. Tezza começa propondo-se "a" pergunta: por que escrever? Evidentemente, não a responde. Mas desenvolve deliciosas páginas contando de como acabou escrevendo, e estabelecendo-se nessa condição da escrita - que, no fim das contas, é um jeito de se colocar no mundo, na própria língua.

Adorei o livro, embora seja eu muito e por demais suscetível. É de desconfiar sempre. Mas, se tem algo que permanece em mim é o efeito orgânico que Tezza consegue dar à literatura desde o lugar de quem a produz. Sinto-me definitivamente escritor desde sua leitura... o que é sintomático, já que sentimento esse deveria ser antes e sempre produto do escrever e não do ler. Mas minha autonomia é assim, compartilhada, e não me envergonho disso.

Há trechos e trechos para serem ruminados. A referência que faço é para o que Tezza (não sei em que páginas porque abandonei anotações desta vez) sugere sobre sua resistência a terapia. É. Simples assim. Ele diz nunca ter feito terapia porque receia que, com sua cura, perderia o elã da escrita. Doentio? Não sei, mas gostei. Além de econômico, produtivo. E soa também um tanto romântico, a ideia aquela do escritor fustigado existencialmente, possuído pelo gênio, mediador. Mas bem compreendido, acho que é isso mesmo. Ouvindo, hoje, Mia Couto, a mesma ideia repercutiu...

Mas, é claro, essa mediação pode ser entendida de várias maneiras. Se menos messiânica e heróica, sugere a figura de Quiron, aquele que torna sua própria ferida possibilidade de cura a outros. De resto, tem de se imaginar. Escrever por que? E a pergunta é assim mesmo, "por" e não "para" que, porque não há outra razão e  endereço que este outro mais próximo, o si mesmo.