quarta-feira, 24 de julho de 2013

Lamento de Sara


Ah, silêncio que se agarra a mim,
me apaga e sufoca.
É minha vergonha! É minha tristeza!
A vida assim nutrida da violência,
de uma teimosia decidida por se manter viva,
mesmo que se arrastando na lama pobre desse mundo.
Geração após geração
escravizada na carne da consciência.
A alma irredutível,
mas longe de ser eterna,
enredada numa ancestralidade sagrada, sangrada, perversa.
Ai! minhas avós! Quantas de vós sofreram desse mal que me fere,
e se arrefece em nossas peles negras?
Ai! Meus avós! Quantos de vós abestados, adestrados com o pau em riste,
gozaram entre sangue e lágrimas a mestiçagem de sua desgraça?
Ouve! O sangue retine!
Fede à vermelho
o ar oxidado por nossas lâminas.
O céu metalizado,
nada mais o transpassa,
nada menos o transcende.
Vingança ou liberdade?
Quem me vinga, se farta
de grandeza no sangue derramado.
Estamos sozinhos para o sacrifício,
e o que era promessa se desfaz na chuva ácida e maldita
que nada lava nem purifica,
apenas espalha a ferida do mundo.
Sangue, sangue, sangue.
De que se alimenta o homem?
Vai, homem! Te farta desse pão,
da carne dos teus iguais.
Vai! Realiza tua promessa de senhorio, de patrão, de pai!
Quanto a mim, corpo-senzala!
Concebo essa criança, filho de um chicote!
Retalha a carne da minha dignidade!
Urra! Grunhi! Late!
Enterra tua espada e me separa a mim o espírito!
Não, eu não me calo...
Mas, desde o mais de dentro de mim, pra ti, homem, silencio. 

Nenhum comentário: